ainda lembro das nossas tardes juntos deitados em cima da mesa da sala de aula. lembro do teu cheiro e da sensação dos teus cachos tingidos entre os meus dedos. lembro da silhueta do teu rosto e da curva do teu nariz. lembro do som da tua voz e da forma que eu parava pra escutar tudo o que tu dizia.
lembro do calor do teu braço entrelaçado no meu enquanto andávamos pelo campus. lembro do jeito como teu corpo se movimentava quando tu falava, se mexendo em gestos inquietos. lembro de como eu sempre dizia que detestava o cheiro de cigarro e num belo dia percebi que tu não fumava mais perto de mim. lembro da vez em que te acompanhei até tua sala de aula e tu me beijou no corredor na frente dos teus colegas. lembro que desci sozinho as escadas daquele bloco me sentindo tão feliz por ter tido esse momento contigo.
lembro de quando tu chegava cedo pra tomar café com o cabelo ainda úmido do banho grudado na testa de um jeito que tu parecia um querubim. lembro de como tu apertava os olhos esquadrinhando as mesas até me encontrar quando chegava no refeitório pra pegar o café da manhã e sorria ao me avistar. lembro da vez em que estávamos passando tempo com teus colegas de classe do lado de fora do refeitório, conversando besteiras e falando da vida, sentados à uma mesa com lugares disponíveis mas tu escolheu sentar no meu colo. lembro de como eu adorava te sentir assim perto de mim.
lembro da vez em que tu me levou pra sala de descanso dos alunos do teu curso e ficamos lá deitados no chão conversando com todos sobre sei lá o quê. não lembro do assunto, só lembro de você. lembro de quando a gente precisava estudar, ou só ter um lugar fresco onde ficar porque todo dia era sempre tão quente e tu suava demais, e tu me levava pra biblioteca da tua faculdade. lá dentro tu pegava uma mesa mais isolada perto das janelas e ficávamos juntos. lembro que às vezes eu nem estudava, só queria ficar perto de ti.
lembro de quando tu me levou na tua casa pela primeira vez e eu fiquei desconfortável porque tava entrando no teu quarto e um quarto é um lugar sagrado, tu tinha um stencil do david bowie na tua parede. lembro de quando tua irmã apareceu pra falar contigo e ao me ver disse que me conhecia de algum lugar. lembro de tu me olhar e sorrir por isso e ficar nos observando conversar sobre algo que você não fazia ideia do que era. eu gostava de como tu me olhava. lembro do teu apelido dentro de casa, que só existia porque teu nome era igual do teu pai. mas também lembro do teu outro nome, que não tinha nada a ver com o verdadeiro mas combinava mais contigo. na minha cabeça tu só existe com esse nome. tu ainda usa ele?
lembro de quando eu ficava no campus até tarde pra poder jantar. eu dizia pra mim mesmo que era por isso mas acho que eu queria mesmo era te acompanhar na hora de ir embora. lembro de como não morávamos perto um do outro mas pegávamos a mesma rota. lembro que no ônibus tu sentava do meu lado e segurava minha mão, entrelaçava teus dedos os meus e seguíamos assim até chegar no teu ponto. lembro de tu me beijar quando se despedia e eu ficar pensando o que eu tô fazendo aqui? e se ele realmente gostar de mim?
lembro do dia do meu aniversário quando tu me deu um livro de presente sobre uma garota do penhasco e eu nunca cheguei a ler ele. lembro que depois, quando tu se foi, toda vez que eu via ele na minha estante eu lembrava de ti e ficava triste. lembro que tu quis comemorar comigo e me acompanhou até a livraria onde comprei meus presentes porque eram o que eu mais queria. lembro também que eu fui horrível e falei algo que te magoou, mas agora não lembro do que era porque o ditado diz que a mão que bate nunca lembra da porrada. me desculpa por isso. eu só lembro de como senti teu sorriso desaparecer e teu espírito diminuir. eu queria tanto poder ter feito algo de diferente.
lembro da vez em que ficamos sozinhos e tu decidiu me levar pra um lugar usando outro caminho. lembro das escadas, das portas fechadas, das salas inacabadas e daquela laje do lado de fora que era alta demais e me deixava tonto porque eu morro de medo de altura. lembro do peitoril que pulamos pra poder atravessar pro outro lado, lembro da vista da copa das árvores e da estrada onde os carros passavam sem fazer barulho. lembro de ter ficado nervoso demais e não ter conseguido te beijar do jeito que tu queria, mas lembro que foi uma aventura e acho que sempre soube que até hoje eu ainda lembraria.
lembro das vezes em que tu falava sobre teatro, sobre o cara com quem estava ficando e sobre as coisas que aconteciam entre vocês mas tu nunca entendia nada sobre o fulano. lembro que quando tu falava dele no fundo eu sentia um certo ciúme. ele não parecia ser bom pra ti, mas quem sou eu pra julgar. lembro que eu tentava te aconselhar da melhor forma e não deixar transparecer que na verdade eu gostava de ti, mesmo sabendo que eu não podia porque tu era só meu amigo. lembro também que por isso eu tentava não levar teus gestos e atitudes pro coração, porque eu nunca tive um amigo que fosse tão próximo e íntimo do jeito que tu era e eu poderia estar entendendo tudo errado. eu preferia ser teu amigo do que arruinar a amizade.
mas eu também lembro da primeira vez em que te vi no palco. eu passava pelo hall e tu tava lá no canto conversando com aquela amiga que eu tinha em comum contigo. lembro de te olhar e te perceber e tentar te memorizar porque tu era só bonito ali naquela hora e eu não te conhecia mas queria muito conhecer. lembro de falar com ela mas não olhar nem uma vez pra ti porque se eu olhasse tu iria saber. então eu fingi indiferença, jamais iria me apresentar e impor a presença. mas o tempo passou e ela apresentou a gente e não lembro de como foi mas uma hora tu já tava lá comigo fazendo tudo que eu lembro.
lembro da vez em que eu estava triste e contei pra essa amiga o que eu estava sentindo e o motivo de não poder ficar contigo e de como aquilo partiu o meu coração em milhares de pedaços porque eu sabia que tava partindo o teu também. lembro de como ela chorou por mim e eu não queria chorar e tentei engolir a tristeza pra poder aguentar. eu precisei me abrir pra ela, precisava que alguém mais soubesse que o que eu sentia era verdadeiro porque se um dia chegasse o dia em que tu fosse me ouvir, eu teria ela de testemunha do meu desespero.
lembro de quando eu voltei com ele. lembro de quando imprimi um cartão com dedicatória pra colocar dentro do livro que daria de presente e da tua cara quando percebeu o que tava acontecendo com a gente. lembro do teu silêncio me julgando, de como eu conhecia todas as palavras que tu não tava falando. lembro de me sentir mal mas se eu só deixasse ele me machucar eu não te machucaria em nada.
lembro da publicação que tu escreveu em maio. tuas palavras me assombram até hoje porque ninguém nunca me escreveu uma carta de amor ou sequer me citou como se eu fosse algo bom. mas tu fez isso e eu fiquei encantado e ao mesmo tempo arrasado porque eu sabia o que era ter o coração quebrado e ali eu tinha quebrado o teu. tu escreveu do jeito que eu falo e do jeito que eu ando e do jeito que sente falta do que a gente nunca teve. e eu sinto também. sinto muito. lembro de no dia seguinte te encontrar de novo no café e perguntar sobre quem era aquilo e tu dizer que não era sobre ninguém. mas eu sabia que era sobre mim, só queria que tu dissesse. então eu esperei mais um tempo e o tempo passou. lembro que toquei de novo no assunto e tu finalmente falou. era sobre mim sim mas já tava tudo bem, tudo superado. eu tentei ficar feliz por isso mas sei que no fundo eu tava arrasado.
lembro que há poucos anos do agora eu tava num encontro e esbarrei com a menina que era tua melhor amiga. abracei ela e fiquei feliz de encontrar porque ela sempre me lembrava de ti, tu era a cola da minha conexão com ela e não te ter ali era triste. lembro que não falei teu nome porque não faria sentido. mas pedi o contato dela, que eu tinha perdido, e a primeira coisa que fiz foi te procurar na lista de quem ela tava seguindo. lembro que te encontrei e te vi mais bonito, que te fez bem ir embora daqui e sumir sem dar aviso. lembro que eu queria falar contigo mas nunca falei. lembro de quando antes de tu ir embora eu tentei. mas tu não quis, disse que era tarde demais. então eu só engoli o choro e aceitei.
lembro que tu odiava o sotaque sulista norte americano e detestava aquele filme adolescente que eu amava. lembro que eu falava algo em inglês igual no filme porque te irritava. mas tu sempre ria de mim e eu adorava. lembrei de ti até quando li um livro chamado arlindo e nele tem uma cena do menino na escola conversando com a amiga por tênis polar. lembro de tu me explicando na mesa do refeitório como aquilo funcionava, igual aquela língua estranha que tu inventava. tudo contigo era criativo e eu nunca entendia, mas eu adorava presenciar o teu esqueleto transcendente e ver até onde tua mente iria.
lembro do ano novo quando tu me chamou pra tua casa e eu fiquei nervoso porque ficaríamos sozinhos na virada do ano. lembro da tua amiga dizendo que ia embora e meu pânico começar. lembro dos teus pais saindo com tua irmã porque em algum outro lugar eles decidiram comemorar. lembro da gente na tua cozinha, fervendo água pra colocar no arroz e lembro da lasanha que tu fez, que na hora de comer eu amei. lembro de quando chegou perto da meia-noite tu me chamou pra sala, de como subimos no sofá e tu abriu as janelas para vermos a queima de fogos na vizinhança. lembro de como tu me beijou ao dar meia noite e pulamos do sofá para o chão com o pé direito, pra atrair sorte naquele ano. acho que a tua sorte foi isso, eu ter me dissolvido na tua frente, tu ter ido embora e nunca ficado comigo.
acho que eu só me lembro dessas coisas porque eu nunca tive a oportunidade de te esquecer, porque pra mim nunca teve um fechamento, porque eu nunca te disse o que eu queria te dizer. então o jeito é eu continuar lembrando de ti.